terça-feira, 23 de dezembro de 2008

"Médicos não vivem acima da lei"

O advogado dos pais do bebé que morreu no Hospital Amadora-Sintra considera que a decisão da Relação de considerar uma médica autora de "um crime de ofensa à integridade física por negligência" mostra que “os médicos não vivem acima da lei”.
António Pinto Pereira falava à Agência Lusa a propósito da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que considerou que a médica obstetra envolvida num parto que terminou na morte da criança, no Hospital Amadora-Sintra, e fora julgada e absolvida em Junho, praticou "um crime de ofensa à integridade física por negligência".
Para o advogado - que aquando da absolvição desta médica e de um outro que era acusado da autoria material de "um crime de homicídio negligente" classificou a decisão da primeira instância de “incompreensível” -, a resposta da Relação ao recurso apresentado pelos pais do falecido bebé “corresponde à justiça do caso”.
Trata-se de “uma decisão judicial que permite compreender que os médicos em Portugal não vivem acima da lei”, disse, acrescentando que os arquivamentos de casos de alegada negligência que envolvem médicos e que se têm registado nos últimos tempos transmitem a ideia de que “os médicos podem fazer o que querem, inclusive tirar a vida às pessoas”.
Numa decisão tomada a 19 deste mês, a que a Lusa teve hoje acesso, o Tribunal da Relação de Lisboa determinou também que a prova obtida sobre a conduta do outro médico, que fora igualmente julgado e absolvido nos Juízos Criminais de Lisboa, “não permite estabelecer nexo de causalidade entre a mesma e o dano/lesão e mesmo a morte causados ao filho dos assistentes”.
O caso remonta a 02 de Março de 2002 e refere-se ao nascimento de um bebé com recurso ao fórceps no Hospital Dr. Fernando Fonseca (Amadora-Sintra). A criança ficou com o crânio esmagado em virtude da "má aplicação do fórceps", concluiu na altura uma investigação da Inspecção-Geral da Saúde (IGS).
A acusação do Ministério Público (MP) veio corroborar as conclusões da IGS, que, em Dezembro de 2002, concluiu pela existência de "uma errada avaliação da viabilidade do parto, uma má aplicação do fórceps e violação da boa norma da presença de dois elementos médicos na sala de fórceps, o que teria impedido o desfecho fatal": a morte do bebé.
Nas alegações finais, o Ministério Público pediu a absolvição dos dois médicos: o obstetra Francisco Manuel dos Santos Madeira, acusado da autoria material de "um crime de homicídio negligente", e a obstetra Ana Cristina Ribeiro da Costa, acusada da autoria material de um crime de intervenção médica com violação de "leges artis" (prática médica).
A procuradora do MP considerou não haver "fundamento da prática dos crimes" de que os médicos eram acusados, posição corroborada pelo juiz que absolveu os arguidos, a 11 de Junho deste ano, decisão de que recorreram os pais da criança.
De acordo com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, a médica “decidiu e quis continuar a intervenção médica até aí escolhida, mantendo a grávida em esforços expulsivos em decúbito lateral, com vista ao parto por via baixa, decisão que tomou (…) na sua qualidade de chefe da equipa médica” e que foi “violadora da leges artis, causando com a sua conduta lesões de asfixia intra-uterina agudas no nascituro”.
“Afigura-se, pois, ser a conduta da arguida subsumível à prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência”, um crime “punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”, lê-se na decisão da Relação.
Sobre a medida da pena, o Tribunal da Relação afirma que não dispõe de elementos para fixar a mesma, cabendo à primeira instância esta tarefa, conforme explicou à Lusa o advogado António Pinto Pereira.
LUSA