segunda-feira, 23 de março de 2009

Cegos: Ler na ponta dos dedos

A câmara de Sintra alargou o espólio de livros escritos em Braille existentes na biblioteca municipal criando ainda um conjunto de serviços com o objectivo de facilitar o dia-a-dia a pessoas invisuais.
José Sobral, cego há 9 anos, reaprendeu a viver depois aprender a ler Braille. Agora, é voluntário na biblioteca de Sintra onde já catalogou 500 livros escritos na linguagem que os invisuais “lêem” com as mãos.
Aos 36 anos, uma doença retirou-lhe a capacidade de ver, mas José Sobral não desistiu e iniciou uma segunda vida, já que teve que “aprender a viver assim”.
“Por motivo de uma doença que eu já tinha desde criança, que me atacou a vista de repente, fiquei assim apesar das muitas intervenções cirúrgicas. Mudou a minha vida, tinha um emprego na área administrativa da contabilidade e de repente, em dois anos, perdi a vista e foi complicado ”, disse.
Passado pouco tempo inscreveu-se numa clínica de reabilitação direccionada para o ensino do Braille, um sistema de leitura através do tacto inventado por um francês que deu o nome a esta escrita.
“O Braille é uma alternativa à escrita que existe, é uma escrita em relevo e é a salvaguarda para nós que não vemos e podemos ler pelo tacto. Há dois anos vim para a biblioteca de Sintra como voluntário por causa do espólio em Braille, que estava por ordenar e catalogar tendo-me passado pelas mãos até agora cerca de 500 obras”, disse José Sobral.
O pior foi mesmo deixar de ver, até porque, se “para um cego de nascença a leitura em Braille não é um problema”, para José Sobral, nove anos depois ainda é uma dificuldade.
“No meu caso não é tão fácil assim porque eu ceguei há pouco tempo e tive que reaprender esta escrita e a sensibilidade nunca é a mesma, mas para um cego de nascença essa é a única maneira que sempre teve de ler livros”, disse.
As deslocações de casa até à biblioteca, onde identificou e catalogou o espólio de livros em Braille que esta instituição tem ao dispor dos munícipes cegos, contou, durante estes dois anos, com a ajuda preciosa de Miuki, uma cadela-guia.
“Esta cadela faz parte de mim e costumo dizer que ela não vai para a cama comigo porque a minha mulher não deixa”, referiu afagando a cabeça da cadela de raça labrador, a menina dos seus olhos.
José Sobral reside na vila de Sintra e tem ao seu dispor, assim como outros invisuais, serviços disponibilizados pela câmara para que, mesmo na impossibilidade de ler com os olhos, o possa fazer com a ponta dos dedos.
“Criámos um projecto ao nível do município que envolve vários serviços para os cegos, uma vez que, entendemos que é um ano simbólico porque estamos no bicentenário do nascimento de Louis Braille”, disse o vereador da autarquia de Sintra com o pelouro da Cultura.
Segundo Luís Patrício, houve um fortalecimento do espólio de livros em Braille, assim como foi proporcionado o acesso à informação de facturas de água ou luz, que não podiam ser lidas pelos cegos “principalmente os que vivem desacompanhados”.
“O que nos propomos fazer é que neste momento qualquer cego que assim o entenda pode solicitar os serviços que temos aqui na biblioteca para, no fundo, traduzirmos para Braille todo um conjunto de documentos que ele necessite para o dia-a-dia. Seguimos igual prática com os regulamentos municipais, uma vez que estamos a traduzir para Braille os impressos municipais e as tabelas de taxas”, adiantou.
De acordo com o vereador, encontram-se em fase de desenvolvimento outros serviços como a colocação de legendas em Braille nas esculturas que se encontram “na Volta do Duche para permitir aos cegos que, ao mesmo tempo que contemplam as obras possa saber o nome da peça e seus autores”.
“Vamos replicar isto, tanto quanto possível nos museus municipais, obviamente dependendo do tipo de peças, que serão também sentidas pelos cegos e desta forma também vividas por eles”, disse Luís Patrício.




Publicado na Edição 97 do Correio da Cidade de Algueirão-Mem Martins
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